Improvisar com inclusão

Judy Campbell

O panorama nacional do jazz e da música improvisada tem evoluído bastante. São inúmeros festivais que surgiram nos últimos anos, músicos referenciados a nível internacional, encontros internacionais de jazz organizados em Portugal e editoras a aparecer. É o momento para se reflectir que tipo de interlocutores actuam em todo este processo. Está na hora de nos questionarmos o porquê de músicos, professores, editores, produtores, críticos serem sempre, ou quase sempre, homens brancos. Não que este debate deva ser uma “guerra” das mulheres contra homens, até porque os homens com este mesmo entendimento terão um papel fundamental, mas sim uma reflexão em conjunto, de pensamento crítico, de constatação da realidade e de se perceber que há algo que não está a fluir de forma correcta.

A evolução do jazz e da música improvisada deve muito ao 25 de Abril. Esta mudança política e social no país teve um papel essencial na educação musical. Se até então a formação estava muito associada às elites, em sua sequência houve uma democratização do ensino da música. Essa democratização traduziu-se na criação de escolas de música públicas, na abertura de mais espaços com música ao vivo, na partilha de experiências, etc. No fundo, tratou-se da possibilidade de uma vida em liberdade, com melhores condições económicas e sociais, que permitiu todo esse desenvolvimento. Passados quase 50 anos deste dia, são muito poucas as mulheres que seguem a formação superior na área do jazz, nomeadamente as instrumentistas. A ausência de mulheres negras torna-se ainda mais gritante, bem como as suas dificuldades em se afirmarem serem ainda maiores. Infelizmente, o racismo está muito presente no nosso país, nomeadamente ao nível institucional, que empurra as mulheres negras para trabalhos mais precários e as afasta do mundo das artes.

Discriminação, uma realidade também presente na música?

Com mais desigualdade numas áreas do que noutras, esta problemática não atravessa apenas o campo da música (mesmo dentro dos diferentes géneros musicais, há diferenças).  As várias formas de discriminação expressam-se no dia-a-dia de diferentes maneiras. A desigualdade de género, o racismo, a lgbtfobia são reais e podemos constatá-lo quando vamos a um concerto, ou quando vemos a programação de um festival, ou quando lemos uma crítica. Não há espaço para essas pessoas.  São barreiras criadas desde muito cedo. Lanço aqui a questão aos educadores/professores de música na área do jazz… quantas alunas frequentam os vossos cursos comparativamente com o número de alunos? Quantas dessas alunas são negras? Será para aceitarmos isso como algo natural? Não estará na hora de mudar, de fazer algo para que a mudança se dê desde já? Não basta dizer que os espaços estão aí e que elas são bem-vindas.

Uma mulher quando decide ser música (aqui usado o feminino propositadamente), tem o quádruplo da dificuldade que um homem teria para se afirmar. Tem que provar muito mais em como é capaz. Devido à discriminação exercida pelo machismo, além de todas as dificuldades inerentes à insegurança, falta de auto-confiança e medo ao se expor, muitas das vezes, no meio masculino, o seu trabalho não é levado a sério ou é questionado se ela será capaz. Para não falar de todo o assédio sexual presente no mundo da música. 

Quando se chega à idade adulta, para quem tem o desejo de ser mãe e não tenha uma carreira lançada, a maioria das vezes tem de optar por colocar de lado esse desejo. Não querendo, são criticadas porque são egoístas. No caso de serem mães, é muito difícil conciliar as tarefas domésticas, cuidar dos filhos, com a música. Porque, ao contrário dos homens, que têm as mães dos filhos para cuidar deles, salvo raras excepções, elas não têm essa disponibilidade dos pais das crianças.

O intuito deste texto não é dar respostas claras, até porque a autora também não as tem. Contudo, algumas atitudes podem ser um passo para a mudança: mais debate sobre o tema e diálogo junto dos educadores musicais, junto dos espaços, junto das editoras, produtores, junto de toda a comunidade. Deveria olhar-se e aprender-se com o exemplo de outros países. A Inglaterra parece estar a dar passos importantes, também a Suécia, a Holanda, ou  mesmo os próprios Estados Unidos. A criação de encontros de mulheres improvisadoras poderia ser um ponto de partida, bem como a realização de sessões de improvisação/jam sessions só com mulheres. Talvez a organização de debates junto das escolas de música e junto das escolas de ensino comum, para que possamos ouvir o que elas, alunas, têm a nos dizer.

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