
As improvisadoras. Onde estão essas mulheres que tocam, que compõem, que sentem o som, que improvisam? Onde estão elas e os seus instrumentos?
Mais de 100 anos após o surgimento dos primórdios do jazz, constato que foram muito poucas aquelas que ficaram consagradas na história deste género musical. Percebo que, mesmo para essas poucas, apenas lhes foi permitido ocupar um espaço reduzido e bem delimitado: o lugar de cantora, por vezes pianista e, raras vezes, compositora. Caso combinassem estes três campos, eram tratadas como perigosas, ameaçadoras, até por perdidas e loucas. Muitas delas, produto da América segregacionista, foram alvo de racismo, violência doméstica, física e psicológica, abuso sexual e assédio. Mesmo assim, essas poucas mulheres, chegaram tão longe.
Hoje, tantos anos passados, a pergunta continua a impor-se… porque foram só essas, tão poucas? Porque, no mundo desta música que se diz tão livre, continuam as referências masculinas constantes?
O cenário parece dar alguns sinais de mudança, ainda que muito superficial. Na transição de 2020 para 2021, finalmente surgem nomes de mulheres nas listas de “melhores do ano”. Elas começam a impor-se e dão sinais de não querer voltar atrás. Contudo, a voz dos críticos de música continua a ser, também ela, sempre masculina.
Apesar da proliferação de inúmeros festivais e escolas de jazz, tanto ao nível nacional como internacional, alguns dos críticos e apreciadores de música afirmam que o jazz tem os dias contados. Será esta uma realidade? Será este um género musical que por ter sofrido tantas transformações irá perder as suas raízes e deixará de existir? Estarão eles a referir-se ao Bebop? Penso que este não é um tema de resposta simples e que estará, com certeza, na origem de muitos estudos. Contudo, é um campo importante para reflexão, o da evolução da música, nomeadamente deste género de música, os meios sociais onde se desenvolveu e o papel da mulher no seu interior. Aprofundando a questão, sob um espectro mais filosófico e pensando nas novas improvisadoras, outra reflexão a fazer é se, sendo o jazz considerado música improvisada, a música improvisada, pode toda ela ser considerada jazz?
É importante pensar o presente da música improvisada. É importante olhar o jazz e a sua evolução. Desde que comecei a gostar de jazz e a assistir a concertos com regularidade, de todos as vezes que olhei o palco me perguntei, “mas porquê só homens? Onde estão as mulheres?”
São tantas as perguntas …mas há uma que não me sai da cabeça, talvez a principal: como é possível colocar-se a hipótese do fim de um género musical onde tantas mulheres foram invisíveis e tão poucas chegaram e não nos questionarmos o porquê? Não será estranho pensarmos na morte de um género de música que nasceu e se desenvolveu com tantas mulheres invisíveis?
Uma conclusão posso tirar: somos nós que vivemos o nosso tempo, vamos dar visibilidade às mulheres improvisadoras. Talvez ai possa ser mais fácil o seu caminho. Este espaço servirá para falar sobre a música delas, improvisadoras.
a foto acima é do grupo Kokoroko?
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O nome desta formação é Nerija. Mas há elementos que também pertencem ao grupo Kokoroko.
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